RECORDANDO ALLAN KARDEC
A origem da Maçonaria remonta aos povos mais antigos e vem acompanhando, dentro dos rigores da sua tradição secreta e ritualista, cada passo da civilização humana, nela influenciando sobretudo através da presença dos maçons nas mais diversas profissões.
Em um livro admirável sobre o assunto, o nobre maçom Luiz Prado, depois de lembrar que a trilogia Liberdade, Igualdade e Fraternidade é a divisa imortal do verdadeiro maçom, explica que a Maçonaria, na “sua trajetória gloriosa, tomou as denominações de ‘Ordem dos guardas da lei das doze tábuas’, ‘Ordem dos Essênios’, ‘Ordem dos Templários’, ‘Ordem do Cardo’, ‘Associação dos Pedreiros-livres’ e outras mais. Prossegue dizendo que o “reflexo da atual Maçonaria deve ter feito sentir-se nos tempos de Moisés, na Palestina dos Romanos e no Continente do Velho Mundo.”
No tocante ao significado vernacular, diz ele que o “vocábulo — Maçonaria — derivou do termo francês — maçon — que, traduzido para o português, quer dizer — ‘pedreiro’. Eis como se justifica o motivo dos maçons serem conhecidos como ‘pedreiros-livres.”[1]
A propósito, reina até hoje no movimento espírita uma séria dúvida em saber se Allan Kardec (ou Hippolyte Léon Denizard Rivail, seu nome civil) teria ou não teria sido maçom. Não que isso tenha importância capital para a Doutrina Espírita, mas permitiria conhecer melhor a opinião de Allan Kardec sobre a instituição maçônica. Contudo, referida dúvida ainda não pôde ser devidamente esclarecida.
Com efeito, André Moreil, conceituado biógrafo de Kardec, parece inclinado a responder positivamente, escrevendo que “não se sabe em que loja foi iniciado Denizard Rivail. Isto pouco importa. Os princípios eram os mesmos. Eis a definição ideológica da Maçonaria, segundo o Larousse do século XIX:
‘A Maçonaria tem por fim a melhoria moral e material do homem; por princípios, a lei do progresso da Humanidade, as idéias filosóficas de tolerância, fraternidade, igualdade e liberdade, abstração feita da fé religiosa ou política, das nacionalidades e das diferenças sociais.
‘O Espiritismo moral e social iria dizer justamente a mesma coisa. Os princípios filosóficos são absolutamente idênticos:
a) Existência de Deus.
b) Imortalidade da alma.
c) Solidariedade humana.”[2]
Entretanto, depois de profunda investigação e minuciosos estudos, Zêus Wantuil, chegou à conclusão de que “... apenas existiu, entre Rivail e a Maçonaria, afinidade de princípios e ideais, sem jamais haver ele ingressado em loja alguma. É certo que sempre viu com simpatia a franco-Maçonaria, mas isto não implica nem prova qualquer adesão oficial da parte dele.”[3]
Deixando de lado essa polêmica, a verdade é que o Espiritismo e a Maçonaria têm inegáveis pontos em comum, e juntos poderão acelerar o progresso da Humanidade e o estabelecimento da justiça social, sobretudo através da perfeição moral dos espíritas e dos maçons.
Seguindo então o nosso objetivo de pesquisar assuntos de interesse atual nas obras de Allan Kardec, verificamos que na sessão da Sociedade Espírita de Paris do dia 25 de fevereiro de 1864, várias dissertações foram obtidas sobre o concurso que o Espiritismo poderia encontrar na Franco-Maçonaria, que depois foram publicadas na Revista Espírita de Abril de 1864. Comunicaram-se naquela oportunidade os Espíritos Guttemberg (Médium: Sr. Leymarie), Jacques de Molé (Médium: Srta. Bréguet) e o franco-maçom Vaucanson (Médium: Sr. D’Ambel). Vejamos a seguir algumas considerações que extraímos daquelas brilhantes comunicações, usando o método de perguntas e respostas:
P. Qual a importância social da Maçonaria?
R. “As instituições maçônicas foram para a sociedade um encaminhamento à felicidade. Numa época em que toda idéia liberal era considerada um crime, os homens necessitavam de uma força que, inteiramente submissa às leis, não fosse menos emancipada por suas crenças, por suas instituições e pela unidade de seu ensino. Nessa época a religião ainda era, não mãe consoladora, mas força despótica que, pela voz de seus ministros, ordenava, feria, fazia tudo curvar-se à sua vontade; era um assunto de pavor para quem quisesse, como livre pensador, agir e dar aos homens sofredores alguma coragem e ao infeliz, algum consolo moral. Unidos pelo coração, pela fortuna e pela caridade, nossos templos foram os únicos altares onde não se havia desconhecido o verdadeiro Deus, onde o homem ainda podia dizer-se homem, onde a criança podia esperar encontrar, mais tarde, um protetor, e o abandonado, amigos.”
P. Existe alguma afinidade entre a Maçonaria e o Espiritismo?
R. “Que é o que se pede a todo maçom iniciado? Crer na imortalidade da alma, no Divino Arquiteto, ser benfeitor, devotado, sociável, digno e humilde. Ali pratica a igualdade na mais larga escala. Há, pois, nessas sociedades uma afinidade com o Espiritismo de tal modo evidente que salta aos olhos.”
P. E os maçons conhecem o Espiritismo?
R. “A questão do Espiritismo foi posta em ordem do dia em várias lojas e eis o resultado: leram volumosos relatórios muito confusos a este respeito, mas não o estudaram a fundo, o que fez que nisto, como em muitas outras coisas, discutissem matéria que não conheciam, julgando por ouvir dizer, mais do que pela realidade. Contudo muitos maçons são espíritas e trabalham muito na propaganda desta crença. Todos escutam, e se o hábito diz não, a razão diz sim.”
P. A Maçonaria já aceita as idéias espíritas?
R. “O Espiritismo é uma irresistível corrente de idéias, que deve ganhar todo o mundo. É questão de tempo. Ora, seria desconhecer o caráter da instituição maçônica, crer que esta concorde em se anular, representar um papel negativo em meio ao movimento que impele a Humanidade para a frente; crer que ela apague o facho, como se temesse a luz. Esperai, então. Porque o tempo é um recrutador sem igual; por ele as impressões se modificam e, necessariamente, no vasto campo dos estados abertos nas lojas, o estudo espírita entrará como complemento, porque isto já está no ar. Riram, falaram; não riem mais: meditam.
“Assim, então, tereis uma pepineira espírita nessas sociedades essencialmente liberais. Por elas entrareis plenamente neste segundo período, que deve preparar as vias prometidas. Os homens inteligentes da Maçonaria vos bendirão por sua vez; pois a moral dos Espíritos dará um corpo a essa seita tão comprometida, tão temida, mas que tem feito mais bem do que se pensa.”
P. Como e quando isto acontecerá?
R. “Tudo tem um parto laborioso, uma afinidade misteriosa; e se isto existe para o que perturba as camadas sociais, é muito mais verdadeiro para o que conduz o progresso moral dos povos. Ainda alguns dias, e o Espiritismo terá transposto o muro que separa a maioria das paredes do templo dos segredos; e, nesse dia, a sociedade verá florescer no seu seio a mais bela flor espírita que, deixando suas pétalas caírem, dará uma semente regeneradora da verdadeira liberdade. Agora, glória ao Grande Arquiteto!”
— o —
(coluna originalmente publicada na Revista Espírita do Espiritsmo, Fevereiro de 1998)
[1] PRADO, Luiz. Ao pé das colunas. Rio, Ed. Mandarino, 3ª ed., pp. 13 ss.
[3] WANTUIL, Zêus, et alii. Allan Kardec. (Meticulosa Pesquisa Biobibliográfica.), Rio, FEB, 1979, Volume I, p. 161.
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