sábado, 15 de janeiro de 2011

TRON





Tron: O Legado
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Tron: O Legado
:: Acid ::

O primeiro Tron (1982) foi um filme muito à frente de seu tempo, e por isso mesmo foi ignorado (até pelo Oscar, que se recusou a deixá-lo concorrer ao prêmio de efeitos especiais por se tratar de um truque de animação). Ainda mais porque estreou no mesmo ano que ET, de Spielberg. A Disney investiu muito neste filme, na tentativa de ser "descolada", distante da imagem tradicional de Mickey e Donald, mas acabou indo longe demais. Mas uma pequena parte de futuros Geeks - que fomentariam o que hoje é a Internet e seus conceitos - cresceu fascinada por esse filme, e eu não fui exceção. Numa época onde não tinha nem videogame, passei dias viajando com essa imagem na revista:



Pensava em ter uma roupa dessas pra ir pra escola... e hoje isso pode ser realidade!

Meu gosto pelo azul e pelo degradê são influência desse filme, como alguém mais atento pode perceber olhando a barrinha do título dos posts.

A história de Tron tinha uma trama boba (resgatar os dados de dentro de um computador, derrotando um vilão malvado) mas um enredo complexo até para os dias de hoje, que envolvia hackear computadores, surfar em streams (correntes) de memória, ter um ajudante que se comunica em linguagem binária (sim e não), abrir dispositivos de entrada/saída, overload de dados, etc. Um filme para nerds, definitivamente. A trama envolve Flynn (Jeff Bridges), um brilhante programador de jogos de computador que trabalhava para uma poderosa multinacional chamada Encom, que teve seus jogos roubados pelo inescrupuloso executivo Ed Dillinger (David Warner), que assim se tornou o todo-poderoso da empresa. Flynn foi demitido e passou a administrar um pequeno fliperama, mas não desistiu de provar que fora ele o criador dos jogos. Assim, ele infiltra um programa-espião (hoje chamamos isso de sniffer ou malware) chamado CLU (que no filme é brilhantemente representado como um alter-ego do próprio Flynn, ou seja, seu AVATAR, um conceito que só apareceria décadas depois!) pra encontrar traços do roubo eletrônico dentro da memória da máquina. Outra coisa legal é a relação criatura/Criador que os programas têm com os humanos (chamados de usuários): eles não sabem o que SÃO realmente os usuários, mas sabem que eles existem (e alguns até se comunicam com eles) e buscam cumprir seus desígnios sem questionamento (algo que no filme é genialmente tratado com um viés religioso).

Mas eis que o computador central (o mainframe) está tomado pelo programa que Dillinger escreveu: o MCP (Master Control Program), que era pra controlar o acesso de usuários a seus programas (tipo o firewall que os administradores botam nas máquinas do seu trabalho), mas acaba adquirindo consciência própria e bloqueia todas as comunicações com qualquer usuário, virando um ditador do mundo das máquinas (uma espécie de avô do Skynet, do "Exterminador do Futuro") e punindo os programas que ainda acreditam no "poder do usuário". Se for um programa útil, ele se apodera de suas funções (como um vírus), mas se for inútil pra ele, o MCP coloca esses programas (normalmente usados em escritório, como contabilidade, planilha, etc) pra lutar entre si - ou contra os capangas dele - numa arena (o que lembra muito a história dos primeiros cristãos, e esse tema é levado muito adiante no segundo filme). Até mesmo os softwares malvados precisam de alguma distração... Mas isso não bastou pro MCP: ele usou um raio "digitalizador" (praticamente um scanner que transporta literalmente você pra dentro da máquina) pra trazer Flynn pra seus domínios.

Um colega de trabalho de Flynn, chamado Alan, trabalha num programa de segurança chamado Tron. Ele serve pra monitorar o tráfego de informações e eliminar programas não-autorizados. Isso hoje em dia se chama Anti-vírus! Tron é o primeiro anti-vírus da história! Voltando, lá dentro do computador Flynn vai "preso" e encontra Tron numa cela. Ficam amigos e o resto vocês já sabem, no final salvam o mundo da tirania e nasce aí a cultura do software livre :)

 isso. Tron é uma idéia genial que não foi executada de forma narrativamente brilhante, mas se tornou referência para TUDO o que veio depois em termos de tecnologia, especialmente porque influenciou aqueles que iriam criar essa tecnologia. A Disney não mediu esforços pra fazer de Tron um clássico: contratou o designer Syd Mead (Star Trek, Blade Runner, Aliens) e o artista Jean "Moebius" Giraud (Alien, Dune), além de Walter Carlos, um dos primeiros músicos do mundo a usar sintetizadores e responsável pela trilha sonora de Laranja Mecânica. Walter incorporou em Tron orquestra, coro, órgão, e sintetizadores analógicos e digitais, tudo misturado, pra causar um impacto que hoje em dia não é mais nenhuma novidade, mas que influenciou fortemente a música e o estilo visual de um grupo que era criança na época em que Tron passou: Daft Punk.

É este grupo techno que uso como ícone para a ponte com o passado que é a continuação do filme: Tron Legacy. Quando o diretor convidou o grupo para incrementar o filme com sua trilha eletrônica ele esperava exatamente isso: música eletrônica. Mas o grupo, em profundo respeito pela obra de Walter Carlos, decidiu enveredar por uma área na qual eles não tinham nenhuma experiência: música clássica. Daft Punk trabalhou por 2 anos com uma orquestra de 85 músicos e a ajuda de Joseph Trapanese, que foi a ponte entre a banda e a orquestra. A mistura de techno com clássico gerou uma das melhores trilhas de filmes dessa década - sem exageros - e deixou o trabalho de Carlos na poeira. É essa geração que viu e amou o filme original a responsável direta por trazer o legado de Tron de volta às telas, de forma a homenagear e ir além (muito além) do antecessor. É esse também o tema do roteiro: deixar o futuro com o futuro.

O filme faz referências visuais ao original, como mostrar a Lightcycle antiga e o "trem" com asas de borboleta, mas avança no design de forma mais contida, menos colorida. As motos ganharam uma repaginada, assim como a nave em forma de |"|, e um detalhe interessante é que dessa vez o brilho das roupas é REAL, e não computação gráfica (ou animação). O mundo das máquinas está sombrio, feio mesmo, mas evoluiu graficamente assim como o nossos computadores: agora tem gráficos fotorrealistas (como a casa do Flynn) e processamento de partículas (chuva, poeira, fogo, etc). Há piadinhas com frases do filme original, e além de Jeff Bridges (Flynn) o ator que fez Tron está de volta ao seu papel, graças a uma tecnologia que irá marcar o cinema daqui pra frente: o rejuvenescimento por computador. Essa tecnologia foi introduzida no filme Benjamin Button, usada imperceptivelmente em Chico Xavier e extrapolada em Tron, o legado. Simplesmente refizeram a cabeça do Jeff Bridges de 1982 no computador, e a performance do ator é reproduzida. O resultado não é lá muito convincente (os olhos meio-mortos e a boca de borracha incomodam às vezes), mas considerando que o que estamos vendo na tela é literalmente um programa de computador (CLU, e não o personagem humano de Jeff Bridges) dá pra dar um desconto.

O roteiro é deveras interessante, e não recomendo ler a partir desse ponto se você não viu o filme: Flynn, agora o chefe da Encom, volta para o mundo das máquinas, dessa vez pra melhorar o "Grid" (o mundo) e fazer dali um sistema perfeito. Pra isso ele conta com a ajuda de CLU e TRON. Logo eles descobrem que uma nova geração de "seres" (algorítimos extremamente avançados, chamados ISOs) SURGEM DO NADA no Grid, sem terem sido programados. Esses seres possuem grande potencial, mas são por demais ingênuos. CLU, que havia sido programado pra ser perfeito e colocar tudo em ordem, não aceita os ISOs como são e os "deleta". Flynn e TRON tentam impedir, mas CLU vê isso como uma traição. TRON é derrotado e reprogramado pra ser o capanga de CLU, que tenta matar Flynn, mas este se esconde nas "montanhas" fora das cidades, onde os programas não funcionam direito. O filho de Flynn, Sam, vai atrás do pai e acaba se metendo em altas confusões com essa turminha da pesada!

Esse é o roteiro para os não-iniciados no Saindo da Matrix. Agora veremos o nível cinesotérico da história: Flynn é O CRIADOR. Sim, cara do Twitter que fez céu, terras e mares. E isso do ponto de vista das máquinas. Flynn estava obcecado em reformar tudo, deixar tudo perfeito para seus habitantes, como a primeira Matrix (o Paraíso). Mas a perfeição não se manifesta da forma que desejamos, nem mesmo vindo da mente do Criador.

O que sempre esperei achar em um sistema: Controle, ordem, perfeição... Não significavam mais nada.
Eu morava em uma casa de espelhos... Que os ISOs espatifaram.

(Flynn)

Aprendemos que há um nível ACIMA do Criador, que é representado pelos ISOs, uma forma superior mas desorganizada, que não se sabe de onde veio nem pra onde vai. É uma lição para o Criador Flynn, que passa a ver o mundo de forma menos Yang (ativo, controlador, agressivo) e se torna mais Yin (passivo, agregador, reflexivo). Mas CLU, que é uma Criação (uma parte e um reflexo) de Flynn, não estava programado para se transformar, para aceitar, e assim ele se torna o opositor, a resistência, sua Sombra, aquilo que Flynn agora nega e combate, ou seja, um controlador arrogante e impetuoso que não conhece limites (um traço de personalidade que se manifestava em Flynn em 1982, e no seu filho em 2010).

CLU é o anjo caído, através da soberba e da inveja dos ISOs (a quem o Criador dava grande atenção). Ele toma para si o poder sobre o mundo, mas falta a ele o poder de CRIAR. Sem isso sua autoridade é somente pelo medo, pela força ou pelo engano. Então ele aprisiona a população de programas rebelde e os transforma (reprograma), formando assim um exército de seguidores (muito parecido com as centenas de computadores-zumbi controlados pelos Hackers de hoje) que ele manipula, em particular numa cena que evoca o comício de Nuremberg, onde Hitler discursava para as massas, iludindo-as com promessas de liberdade da tirania dos outros (são sempre "os outros"), discurso este muito popular aqui pela América do Sul. Se antes o MCP era o ditador e houve uma luta pela liberdade dentro do Grid, agora é CLU quem dita as normas e se considera injustiçado por estar "aprisionado" dentro do Grid, querendo alcançar agora o exterior, ou seja, o mundo do Criador. É uma metáfora para o Homem querendo ser Deus sem ter o poder nem a maturidade para Criar (algo bastante pertinente de se observar dentro do mundo esotérico, onde os egos inflam até o tamanho de deuses).

Um dos personagens mais marcantes é Castor, que segundo ele mesmo é "provedor de qualquer e todo entretenimento e distrações". Uma mistura diabólica de Monty Python, Carlitos e David Bowie. É dele uma das melhores cenas, onde se diverte ao som de uma música IRADA do Daft Punk, enquanto o "Filho do Criador" (que se sacrifica pelo Pai) apanha dos soldados (qualquer semelhança com o filme de Jesus do Mel Gibson é mera coincidência... NOT!). Ele é a faceta do mal que nos distrai de nossos objetivos. É o entretenimento tolo que nos escraviza na roda de prazeres e nos deixa até agradecidos de estarmos no Sansara (ah, esse bife suculento...). A queda aqui é fácil, como Sam descobriu, e teve de ser resgatado (novamente) pela Anima, a ISO Quorra.

A metáfora do medo do CLU sair para o mundo real é o mesmo medo do Agente Smith sair da Matrix, ou do "demônio" dominar o mundo: representa o nosso medo da Sombra (tudo aquilo que reprimimos) assumir o consciente. É algo a se temer, mesmo, pois a quantidade de malucos que atira nos outros e depois em si mesmo - numa auto-aniquilação funesta de seus medos e desejos - é crescente em nossa sociedade. Mas o medo (autopreservação) só deve ser usado para buscar força e conhecimento, nunca para dar força e poderes ao próprio Medo/Sombra. Por isso no filme o Criador Flynn, que estava com medo do confronto que só fazia fortalecer o opositor, aproveita a impetuosidade do filho - que trouxe o CAOS, a instabilidade, o desequilíbrio da equação - para criar OPORTUNIDADE de vitória. E ela veio, com a reintegração da Sombra. Ele a abraça, ele pede perdão, e ele SE perdoa. Se aceita, e aceita seu destino, que é deixar o Novo com o novo (Quorra com Sam), um novo mundo a ser criado por novas pessoas. Full circle.

TRANSFIGURAÇÃO

A Transfiguração no Tabor, a Ressurreição, o momento que acompanhou os discípulos no caminho do Emaús e a sua ascensão em Betânia, são episódios que causaram entusiasmo entre os mitólogos, naturalmente interessados em provar que Jesus de Nazaré era simplesmente um mito.

A sensação de realidade que possuímos da nossa própria integridade física, o hábito de nos apoiarmos na realidade perceptível como garantia da veracidade da nossa própria existência e a ilusão da constância de nossa forma física, leva-nos a considerar o que se apresenta como instável e mutante na condição de simples ilusão.

A fantasia, o sonho, o mito, nada mais são do que elementos imaginários que se inserem fugazmente no duro mundo concreto da existência.

Não obstante, sabemos que a existência, segundo a definição das Filosofias Existenciais da atualidade, é puramente subjetiva.

Nós mesmos, nesse caso, somos irrealidades ideais que nos inserimos furtivamente na realidade objetiva. As metamorfoses de Jesus não diferem daquelas porque passamos em nossa própria vida.

Na Ressurreição, Madalena não reconhece de imediato à presença de Jesus e o confunde com o jardineiro.

Tomé recusa-se a aceitar a veracidade das manifestações do Senhor no Cenáculo das reuniões apostólicas e só se convence ao tocar as chagas da crucificação.

Os discípulos de Emaús só reconhecem o Mestre, que para eles estava morto, no ato de partir o pão, quando ele se identifica pelos gestos e a atitude.

O mesmo acontecerá com os discípulos a caminho da Galiléia.

Mas a ascensão em Betânia mostra-se tão carregada de elementos míticos, que só hoje pode ser encarada como parcialmente verídica, graças ao conceito de paranormalidade e às novas leis descobertas no campo da fenomenologia de ordem física.

Sem o conceito atual do corpo-bioplásmico, que confirma a tese cristã do corpo espiritual e a descoberta espírita do perispírito, no século passado, não poderíamos admitir o episódio da ascensão em termos de realidade visível.

Também no episódio do Tabor, com a presença de Elias e Moisés ao lado de Jesus, tudo não passaria de uma alucinação mística de natureza estritamente simbólica.

Mas as pesquisas metapsíquicas e parapsicológicas do nosso tempo revalidam a realidade do episódio, sem com isso negar a presença, no mesmo, de elementos míticos decorrentes de funções dos arquétipos do inconsciente.

Ao lado desses episódios, que têm hoje o apoio das novas descobertas científicas, aparecem outros que se caracterizam como inapelavelmente mitológicos.

Guignebert, que considera o episódio da Paixão como tipicamente histórico bem enquadrado na realidade do tempo, repele a interpretação do mesmo pelos gnósticos-docetas, no primeiro século.
Segundo estes, a estranha figura de Simão Cireneu, que chega do campo e ajuda Jesus a carregar a cruz até o Calvário toma as feições e o aspecto geral de Jesus, enquanto este se revestia de todo o aspecto do camponês piedoso.

Dessa maneira, chegando ao Monte das Oliveiras, os soldados incumbidos da execução crucificaram o Cireneu em lugar de Jesus, que tranquilamente deixou a sua imagem na cruz e se retirou para surpreender os seus apóstolos e discípulos com a sua pretensa ressurreição.

Os docetas sustentavam que Jesus não tinha realidade física, que o seu corpo era apenas aparente.

Sua posição contrariava as teses da encarnação do Cristo, apresentando-o como uma espécie de deus mitológico, sob a influência das ideias helenísticas.

O Docetismo exerceu grande influência em Alexandria, propagando-se a Éfeso, onde o Apóstolo João instalara a sua Escola Cristã.

João refutou a tese doceta como herética, pois além de não corresponder à realidade histórica, transformava o Cristo num falsário.

Renan conta um curioso episódio em que João se dirige com seus discípulos ao balneário público de Éfeso, e ali chegando volta com os discípulos, dizendo-lhes:

"O balneário vai cair, pois lá se encontra Cerinto, o maior dos mentirosos".

Cerinto era um dos introdutores do Docetismo em Éfeso.

Essa teoria absurda reapareceu na França, através de uma obra confusa e carregada de pesado misticismo ridicularizante.

Um advogado de Bordeaux, Jean Baptiste Roustaing, elaborou essa obra através de comunicações mediúnicas atribuídas a Moisés, João Batista, os Apóstolos e os Evangelistas.

Um grupo místico do Rio de Janeiro adotou com entusiasmo essa obra, conseguindo apossar-se da Federação Espírita Brasileira, e até hoje a propaga e sustenta, contra a maioria das instituições espíritas do Brasil e do mundo.

É inacreditável o fanatismo dos roustainguistas, o que se justifica pela sua mentalidade antirracional, apegada aos resíduos do passado mágico e mitológico, portanto contrária à posição racional do Cristianismo e do Espiritismo.

Esses defensores do absurdo chegam ao cúmulo de citar a obra mistificadora, Os Quatro Evangelhos, como uma das dez obras mais importante da literatura mundial, e Roustaing, como uma das dez maiores figuras da Humanidade. Kardec condenou essa obra, o que provocou um revide de Roustaing.

Ao episódio do Tabor, cujo relato evangélico apresenta todas as condições de um fenômeno paranormal, inclusive com atitude dos apóstolos, que sugere a doação de energias ectoplásmicas para a aparição de Elias e Moisés, a fábula dos docetas (como o Apóstolo Paulo a classificou) apresenta-se como uma das mais estranhas desfigurações do Cristo.

Essas desfigurações forneceram elementos ricos e valiosos aos mitólogos para negarem a existência real e histórica de Jesus de Nazaré, como o fizeram Artur Drews e Georges Brandis, entre outros.

Nas reuniões dos cristãos primitivos, logo após a morte de Jesus, o chamado culto pneumático era constantemente tumultuado pelas manifestações de espíritos turbulentos e grosseiros, que diziam pesados palavrões contra o Messias.

O Apóstolo Paulo nos oferece o modelo de um culto pneumático no capítulo intitulado Sobre os Dons Espirituais, em sua I Epístola aos Coríntios.

O nome do culto era derivado da palavra grega pneuma, que significa espírito e sopro.

Paulo aconselha ordem rigorosa no culto, falando cada profeta por sua vez e permanecendo os outros em oração, precisamente para evitar a interferência de manifestações agressivas.

O profeta era o que hoje chamamos médiuns, os intermediários entre os espíritos e os homens.
Como havia muitas comunicações em línguas estranhas, como as ocorridas no Pentecoste, Paulo recomenda que ninguém aceitasse comunicações em língua que ninguém da mesa conhecesse, pois, sem poder traduzí-las, a manifestação não serviria para ninguém.

Esses cuidados permanecem no Espiritismo, e muitas sessões mediúnicas seguem a orientação paulina.

Não obstante, a situação hoje é diferente, pois a mediunidade, profundamente estudada e pesquisada, em todo o mundo, pode agora ser melhor controlada.

As sessões mais proveitosas e produtivas são aquelas em que há maior liberdade, proporcionando o diálogo entre espíritos comunicantes, para maior elucidação dos problemas em causa.

Vários doutrinadores entram em ação, de maneira que os médiuns presentes são melhor aproveitados.

Ainda hoje aparecem, em menor número e com menos violência, espíritos agressivos que repelem o Cristo.

Esse fato é importante porque mostra a continuidade do culto pneumático e a insistência dos espíritos inferiores na desfiguração do Cristo, que chegam a chamar ainda de embusteiro.

São esses os espíritos da mentira, em oposição aos espíritos da Verdade, que procuram esclarecer e orientar as entidades malfeitoras.

O interesse em desfigurar o Cristo vem dos planos inferiores do mundo espiritual e se manifestam de várias formas: pelas comunicações mediúnicas inferiores, pelas intuições dadas a adeptos do Cristianismo e do Espiritismo para introduzirem teorias e práticas ridicularizantes no meio doutrinário, sempre atribuindo a Jesus posições, palavras e atitudes que o coloquem em situação crítica pelas pessoas de bom senso.

Para isso, as entidades mistificadoras se aproveitam da ignorância e da vaidade de criaturas desprevenidas, da autossuficiência de criaturas autoritárias e arrogantes, que facilmente se deixam levar por elogios e posições lisonjeiras que podem exaltá-las na instituição a que pertencem.

A gigantesca luta empreendida pelo Apóstolo Paulo, após a sua conversão, para preservar a pureza dos ensinos de Jesus e da sua excelsa figura, em meio aos próprios apóstolos do Mestre, revela de maneira eloquente, a dificuldade dos homens para compreenderem a Verdade Cristã.

Os apóstolos judaizantes, como ele os chamou, e entre os quais se encontrava o próprio Simão Pedro, pode nos dar a ideia do que realmente se passa nesse caso, para não cairmos também em interpretações místicas de uma situação natural, proveniente da falibilidade humana.

Não se trata de nenhum mistério, de uma potência satânica a espreitar-nos nas trevas, de um Reino do Diabo a combater o Reino de Deus, de uma figura assustadora do Anticristo a lutar contra o Cristo.

O próprio episódio evangélico da tentação de Jesus no deserto, pelo Diabo em pessoa, revela-nos o seu sentido alegórico no fato incontestável de que a tentação era provocada em Jesus por insinuações lisonjeiras.

A condição humana de que ele se investira, para viver entre os homens e falar-lhes como homem, o sujeitava naturalmente à fascinação das ilusões terrenas.

Jesus meditava sobre a missão difícil que ia realizar, cheia de perigos evidentes, e na meditação se infiltravam naturalmente as opções da fuga.

Em todas as grandes religiões encontramos figuras diversas dessa luta, em que o espírito superior enfrenta as solicitações do plano inferior e precisa vencê-las para não fracassar nas batalhas que vai travar.

Na História de Buda, surge a alegoria das tentações no momento em que ele se senta sob a árvore da meditação.

No Islamismo temos o exemplo do que pode acontecer ao espírito que se deixa vencer.

A guerra incruenta do espírito para ajudar o homem a elevar-se, transforma-se no domínio absoluto da espada e do alfange, desencadeando a terrível guerra do Islã, em que o Cristianismo, de cujas entranhas nasceram o Islamismo, se converte no inimigo a ser derrotado pela força das armas.

Cada forma de vida tem as suas leis, constitui-se de um vasto e profundo sistema de ações e reações, causas e efeitos que formam a teia de aranha em que a própria aranha se enrosca para poder viver.

Essa teia pode ser definida como um campo estruturado de forças a que o espírito se imanta e ali permanece subjugado pelas forças gravitacionais do campo.

A lei de inércia, que mantém a estabilidade das coisas e dos seres, no processo de conservação, tange na pedra que repousa no chão, quanto no espírito que repousa em seu próprio modo de ser.
Essa lei não é má nem diabólica, é natural e faz parte do processo evolutivo.

Mas a mente humana, com sua tendência antropomórfica, reveste os seus efeitos de características humanas.

O mito do Diabo não é mais do que uma forma do antropomorfismo que se infiltra em todas as nossas fases de transição para planos superiores do espírito.

Por isso, Jesus preceituou:

"Vigiai e orai".

A vigilância se exerce primeiro em nós mesmos, em nosso íntimo, e a seguir na relação social.
Depois do episódio da estrada de Damasco, Paulo recolheu-se à meditação no deserto para reestruturar a sua situação espiritual, profundamente abalada pelo terremoto psíquico e emocional do encontro com Cristo.

Só então poderia voltar à ação, às atividades do seu apostolado, que o Cristo transformara de judeu a cristão.

Muitas vezes sentiria ainda os impulsos anteriores influindo na sua nova conduta.

Muito teria de lutar para não cair de novo no campo estruturado e sempre ativo dos seus condicionamentos.

É que enfrentou fracassos não há dúvidas, pois ele mesmo clamou.

"Miserável homem sou, que não faço o bem que quero, mas o mal que não quero!"

Tinha um espinho na carne, segundo declarava, e um espinho inquietante que os outros viam e comentavam.

Mas a sua intenção firme de vencer, a sua convicção da realidade espiritual do Cristo e a sua vontade em permanente tensão o levariam à vitória sobre o Diabo, sobre as forças retrógradas em atividade no seu íntimo. Venceu galhardamente no tocante a si mesmo, na batalha interna.

Mas no campo das atividades externas, não conseguiu livrar-se de condicionamentos judaicos enraizados, que o levaram a tomar uma posição negativa no tocante às mulheres (sempre mantidas na área da submissão escravagista) e no tocante à Doutrina cristã, que enredou na sistemática da Igreja, tendo mesmo fundado a Igreja Cristã independente em Antióquia, com sua incipiente hierarquia sacerdotal.

Não conseguiu perceber o sentido profundo da renovação cristã, o significado interior da liberdade em Cristo, e nem foi ele — nem Jesus, nem Pedro — o fundador da religião que deformaria totalmente o Cristianismo do Cristo.

Claro que a instrução de Paulo não era essa.

Ele sonhava com um Cristianismo puro, severo, bem estruturado, com a disciplina judaica do Tempo, sustentando a Verdade cristã num mundo indisciplinado que devia organizar-se na ordem da moral cristã.

Seu erro foi justamente esse.

Jesus de Nazaré nunca mostrara interesse pela pompa e a disciplina fria do Templo.

Como afirma Guignebert, ele não queria fundar nenhuma religião e nenhuma Igreja.

Jesus falava às almas, não aos robôs das instituições sociais.

Não pretendia organizar exércitos poderosos para Iavé, que já perdera os seus para o furioso Júpiter Capitolino.

Não queria tropas ao seu serviço, mas rebanhos pastando nos campos ao alvorecer.

Queria a terra florida com a germinação das suas palavras.

O Cristianismo não surgia como religião formal, mas como a pura essência da Verdade.

Um movimento de almas, não de corpos materiais animalizados e atrelados ao carro dos poderosos.
Paulo, que se formara na disciplina farisaica, não podia compreender esse anarquismo do espírito, que antes lhe parecia vagabundagem, indisciplina, sonho irrealizável de um poeta inspirado nas utopias platônicas.

Não lhe passaria pela mente dizer isso de Cristo.

Assim, Cristo só poderia desejar a estruturação de uma Igreja forte e poderosa, insuflada pelo sopro do espírito messiânico.

A fracassada tentativa dos Apóstolos, com o velho Pedro à frente, de organizar a comunidade descrita no Livro de Atos, comprovada isso de maneira absoluta.

Paulo quis e fundou a Igreja em Antióquia, mas os romanos deram a cadeira que lhe pertencia ao velho Pedro.

Era muito importante, naquele tempo, falar em Cristo Crucificado, porque essa imagem chocante mostrava Jesus como vítima da maldade humana, particularmente dos poderosos da Terra.

A simples menção desse nome despertava a lembrança do conluio judeu-romano para esmagar as esperanças de Israel.

Hoje essa expressão soa falsa, pois o Cristo desfigurado aparece também como Rei, como um mito grego, como uma divindade da magia primitiva, que sacerdotes paramentados podem obrigar a se transubstanciar nas espécies materiais de uma forma sacramental.

Hoje, além disso, o Cristo Crucificado aparece como instrumento dócil de demagogia política, símbolo de perseguições religiosas, de fogueiras assassinas, de guerras violentas, de mentiras interesseiras pregadas ao povo através de dois milênios de incessante deformação de sua figura humana e de sua doutrina de justiça e amor.

Hoje só existe um símbolo para o Cristo: o da Ressurreição.

Provada cientificamente a existência do corpo espiritual, provada a continuidade da vida triunfante após a morte, provada a herança de Deus na imensidade do Cosmos povoado de mundos, provada a ineficácia das instituições religiosas e seus métodos para levar os homens a Deus, pois que a maioria se afastou de Deus e o considera como superstição estúpida, só a figura do Cristo Ressuscitado, triunfando sobre a veleidade dos poderes terrenos e confirmando em si mesmo a verdade dos seus ensinos, poderá libertar as consciências do apego às coisas perecíveis, dando-lhes a confiança no poder superior do- espírito.

Se somos espíritos e não apenas um corpo material, e se temos a certeza de que o Cristo continua vivo e a nos inspirar em nossas lutas no caminho do bem, por que cultivarmos a morte e até mesmo as imagens de um cadáver que não foi encontrado no túmulo?

A desfiguração do Cristo atingiu o máximo nessas imagens frias que dormem o ano inteiro nas
criptas das Igrejas, à espera do seu enterro anual, com luto, choro e velas acesas.

O sadismo humano se revela num automatismo conscencial que o perpetua nas gerações sucessivas.
Chegou o momento de compreendermos que o Cristo está diante de nós, na plenitude de sua vida e seu poder, procurando despertar-nos do pesadelo da morte.

Trecho do livro de J. HERCULANO PIRES “REVISÃO DO CRISTIANISMO”

domingo, 9 de janeiro de 2011

MEDO DA MORTE


Um homem transitava por estrada deserta, altas horas.

Noite escura, sem luar, estrelas apagadas... Seguia apreensivo. Por ali ocorriam, não raro, assaltos... Percebeu que alguém o acompanhava.

Olá! Quem vem aí? - perguntou, assustado.

Não obteve resposta. Apressou-se, no que foi imitado pelo perseguidor. Correu... O desconhecido também.

Apavorado, em desabalada carreira, tão rápido quanto suas pernas o permitiam, coração a galopar no peito, pulmões em brasa, passou diante de um poste de luz.

Olhou para trás e, como por encanto, o medo desapareceu. Percebeu que seu perseguidor era apenas um velho burro, acostumado a acompanhar andarilhos.

A história assemelha-se ao que ocorre com a morte.

A imortalidade é algo intuitivo na criatura humana. No entanto, muitos têm medo, porque desconhecem inteiramente o processo e o que os espera no Mundo Espiritual.

O Espiritismo é o poste de luz que ilumina os caminhos misteriosos do retorno, afugentando temores sem fundamento e constrangimentos perturbadores.

De forma racional, esclarece acerca da sobrevivência da alma, descerrando a cortina que separa os dois mundos.



Com a Doutrina Espírita aprendemos a encarar com serenidade a morte, que chamamos de desencarnação, porquanto ninguém morre.

Isso é muito importante, fundamental mesmo, já que se trata da única certeza da existência humana: todos desencarnaremos um dia.

A Terra é uma oficina de trabalho para os que desenvolvem atividades edificantes, em favor da própria renovação.

Um hospital para os que corrigem desajustes nascidos de viciações pretéritas.

Uma prisão, em expiação dolorosa, para os que resgatam débitos relacionados com crimes cometidos em existências anteriores.

Uma escola para os que já compreendem que a vida não é simples acidente biológico, nem a existência humana uma simples jornada recreativa. Mas não é o nosso lar. Este está no plano espiritual, onde poderemos viver em plenitude, sem limitações impostas pelo corpo carnal.

Compreensível, pois, que nos preparemos, superando temores e dúvidas, inquietações e enganos, a fim de que, ao chegar a nossa hora, estejamos habilitados a um retorno equilibrado e feliz.

O primeiro passo é o de tirar da morte o aspecto fúnebre, mórbido, temível, sobrenatural... Há condicionamentos milenares nesse sentido.

Existem pessoas que simplesmente se recusam a conceber o falecimento de um familiar ou o seu próprio.

Transferem o assunto para um futuro remoto. Por isso se desajustam quando chega o tempo da separação.

Onde está, ó morte, o teu aguilhão? - pergunta o Apóstolo Paulo, a demonstrar que a fé raciocinada supera os temores e angústias da grande transição, dando-nos a compreensão de que o fenômeno chamado morte nada mais é do que o passaporte para a verdadeira vida.

O Espiritismo, se estudado, nos proporciona uma fé inabalável. O conhecimento de tudo o que nos espera, e a disposição de lutarmos para que nos espere o melhor.

*   *   *

Um dos maiores motivos de sofrimento no além túmulo, é o apego aos bens terrenos.

Muitas pessoas não aceitam as normas estabelecidas pela aduana do túmulo, que não nos permite levar os bens materiais no momento em que passamos para o outro lado.

Isso demonstra que tais pessoas ainda não entenderam que os bens materiais nos são emprestados por Deus como meio de progresso, e que os teremos que devolver, mais cedo ou mais tarde.



É importante que reflitamos sobre isso, não nos deixando possuir pelos bens dos quais somos apenas usufrutuários.

Um dos motivos de sofrimento dos que ficam, é o fato de não terem se dedicado o quanto deviam àqueles dos quais se despedem.

Por isso, convém que, enquanto estamos a caminho, façamos o melhor que pudermos aos nossos afetos, para que o remorso não nos dilacere a alma depois.