sábado, 15 de janeiro de 2011

TRON





Tron: O Legado
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Tron: O Legado
:: Acid ::

O primeiro Tron (1982) foi um filme muito à frente de seu tempo, e por isso mesmo foi ignorado (até pelo Oscar, que se recusou a deixá-lo concorrer ao prêmio de efeitos especiais por se tratar de um truque de animação). Ainda mais porque estreou no mesmo ano que ET, de Spielberg. A Disney investiu muito neste filme, na tentativa de ser "descolada", distante da imagem tradicional de Mickey e Donald, mas acabou indo longe demais. Mas uma pequena parte de futuros Geeks - que fomentariam o que hoje é a Internet e seus conceitos - cresceu fascinada por esse filme, e eu não fui exceção. Numa época onde não tinha nem videogame, passei dias viajando com essa imagem na revista:



Pensava em ter uma roupa dessas pra ir pra escola... e hoje isso pode ser realidade!

Meu gosto pelo azul e pelo degradê são influência desse filme, como alguém mais atento pode perceber olhando a barrinha do título dos posts.

A história de Tron tinha uma trama boba (resgatar os dados de dentro de um computador, derrotando um vilão malvado) mas um enredo complexo até para os dias de hoje, que envolvia hackear computadores, surfar em streams (correntes) de memória, ter um ajudante que se comunica em linguagem binária (sim e não), abrir dispositivos de entrada/saída, overload de dados, etc. Um filme para nerds, definitivamente. A trama envolve Flynn (Jeff Bridges), um brilhante programador de jogos de computador que trabalhava para uma poderosa multinacional chamada Encom, que teve seus jogos roubados pelo inescrupuloso executivo Ed Dillinger (David Warner), que assim se tornou o todo-poderoso da empresa. Flynn foi demitido e passou a administrar um pequeno fliperama, mas não desistiu de provar que fora ele o criador dos jogos. Assim, ele infiltra um programa-espião (hoje chamamos isso de sniffer ou malware) chamado CLU (que no filme é brilhantemente representado como um alter-ego do próprio Flynn, ou seja, seu AVATAR, um conceito que só apareceria décadas depois!) pra encontrar traços do roubo eletrônico dentro da memória da máquina. Outra coisa legal é a relação criatura/Criador que os programas têm com os humanos (chamados de usuários): eles não sabem o que SÃO realmente os usuários, mas sabem que eles existem (e alguns até se comunicam com eles) e buscam cumprir seus desígnios sem questionamento (algo que no filme é genialmente tratado com um viés religioso).

Mas eis que o computador central (o mainframe) está tomado pelo programa que Dillinger escreveu: o MCP (Master Control Program), que era pra controlar o acesso de usuários a seus programas (tipo o firewall que os administradores botam nas máquinas do seu trabalho), mas acaba adquirindo consciência própria e bloqueia todas as comunicações com qualquer usuário, virando um ditador do mundo das máquinas (uma espécie de avô do Skynet, do "Exterminador do Futuro") e punindo os programas que ainda acreditam no "poder do usuário". Se for um programa útil, ele se apodera de suas funções (como um vírus), mas se for inútil pra ele, o MCP coloca esses programas (normalmente usados em escritório, como contabilidade, planilha, etc) pra lutar entre si - ou contra os capangas dele - numa arena (o que lembra muito a história dos primeiros cristãos, e esse tema é levado muito adiante no segundo filme). Até mesmo os softwares malvados precisam de alguma distração... Mas isso não bastou pro MCP: ele usou um raio "digitalizador" (praticamente um scanner que transporta literalmente você pra dentro da máquina) pra trazer Flynn pra seus domínios.

Um colega de trabalho de Flynn, chamado Alan, trabalha num programa de segurança chamado Tron. Ele serve pra monitorar o tráfego de informações e eliminar programas não-autorizados. Isso hoje em dia se chama Anti-vírus! Tron é o primeiro anti-vírus da história! Voltando, lá dentro do computador Flynn vai "preso" e encontra Tron numa cela. Ficam amigos e o resto vocês já sabem, no final salvam o mundo da tirania e nasce aí a cultura do software livre :)

 isso. Tron é uma idéia genial que não foi executada de forma narrativamente brilhante, mas se tornou referência para TUDO o que veio depois em termos de tecnologia, especialmente porque influenciou aqueles que iriam criar essa tecnologia. A Disney não mediu esforços pra fazer de Tron um clássico: contratou o designer Syd Mead (Star Trek, Blade Runner, Aliens) e o artista Jean "Moebius" Giraud (Alien, Dune), além de Walter Carlos, um dos primeiros músicos do mundo a usar sintetizadores e responsável pela trilha sonora de Laranja Mecânica. Walter incorporou em Tron orquestra, coro, órgão, e sintetizadores analógicos e digitais, tudo misturado, pra causar um impacto que hoje em dia não é mais nenhuma novidade, mas que influenciou fortemente a música e o estilo visual de um grupo que era criança na época em que Tron passou: Daft Punk.

É este grupo techno que uso como ícone para a ponte com o passado que é a continuação do filme: Tron Legacy. Quando o diretor convidou o grupo para incrementar o filme com sua trilha eletrônica ele esperava exatamente isso: música eletrônica. Mas o grupo, em profundo respeito pela obra de Walter Carlos, decidiu enveredar por uma área na qual eles não tinham nenhuma experiência: música clássica. Daft Punk trabalhou por 2 anos com uma orquestra de 85 músicos e a ajuda de Joseph Trapanese, que foi a ponte entre a banda e a orquestra. A mistura de techno com clássico gerou uma das melhores trilhas de filmes dessa década - sem exageros - e deixou o trabalho de Carlos na poeira. É essa geração que viu e amou o filme original a responsável direta por trazer o legado de Tron de volta às telas, de forma a homenagear e ir além (muito além) do antecessor. É esse também o tema do roteiro: deixar o futuro com o futuro.

O filme faz referências visuais ao original, como mostrar a Lightcycle antiga e o "trem" com asas de borboleta, mas avança no design de forma mais contida, menos colorida. As motos ganharam uma repaginada, assim como a nave em forma de |"|, e um detalhe interessante é que dessa vez o brilho das roupas é REAL, e não computação gráfica (ou animação). O mundo das máquinas está sombrio, feio mesmo, mas evoluiu graficamente assim como o nossos computadores: agora tem gráficos fotorrealistas (como a casa do Flynn) e processamento de partículas (chuva, poeira, fogo, etc). Há piadinhas com frases do filme original, e além de Jeff Bridges (Flynn) o ator que fez Tron está de volta ao seu papel, graças a uma tecnologia que irá marcar o cinema daqui pra frente: o rejuvenescimento por computador. Essa tecnologia foi introduzida no filme Benjamin Button, usada imperceptivelmente em Chico Xavier e extrapolada em Tron, o legado. Simplesmente refizeram a cabeça do Jeff Bridges de 1982 no computador, e a performance do ator é reproduzida. O resultado não é lá muito convincente (os olhos meio-mortos e a boca de borracha incomodam às vezes), mas considerando que o que estamos vendo na tela é literalmente um programa de computador (CLU, e não o personagem humano de Jeff Bridges) dá pra dar um desconto.

O roteiro é deveras interessante, e não recomendo ler a partir desse ponto se você não viu o filme: Flynn, agora o chefe da Encom, volta para o mundo das máquinas, dessa vez pra melhorar o "Grid" (o mundo) e fazer dali um sistema perfeito. Pra isso ele conta com a ajuda de CLU e TRON. Logo eles descobrem que uma nova geração de "seres" (algorítimos extremamente avançados, chamados ISOs) SURGEM DO NADA no Grid, sem terem sido programados. Esses seres possuem grande potencial, mas são por demais ingênuos. CLU, que havia sido programado pra ser perfeito e colocar tudo em ordem, não aceita os ISOs como são e os "deleta". Flynn e TRON tentam impedir, mas CLU vê isso como uma traição. TRON é derrotado e reprogramado pra ser o capanga de CLU, que tenta matar Flynn, mas este se esconde nas "montanhas" fora das cidades, onde os programas não funcionam direito. O filho de Flynn, Sam, vai atrás do pai e acaba se metendo em altas confusões com essa turminha da pesada!

Esse é o roteiro para os não-iniciados no Saindo da Matrix. Agora veremos o nível cinesotérico da história: Flynn é O CRIADOR. Sim, cara do Twitter que fez céu, terras e mares. E isso do ponto de vista das máquinas. Flynn estava obcecado em reformar tudo, deixar tudo perfeito para seus habitantes, como a primeira Matrix (o Paraíso). Mas a perfeição não se manifesta da forma que desejamos, nem mesmo vindo da mente do Criador.

O que sempre esperei achar em um sistema: Controle, ordem, perfeição... Não significavam mais nada.
Eu morava em uma casa de espelhos... Que os ISOs espatifaram.

(Flynn)

Aprendemos que há um nível ACIMA do Criador, que é representado pelos ISOs, uma forma superior mas desorganizada, que não se sabe de onde veio nem pra onde vai. É uma lição para o Criador Flynn, que passa a ver o mundo de forma menos Yang (ativo, controlador, agressivo) e se torna mais Yin (passivo, agregador, reflexivo). Mas CLU, que é uma Criação (uma parte e um reflexo) de Flynn, não estava programado para se transformar, para aceitar, e assim ele se torna o opositor, a resistência, sua Sombra, aquilo que Flynn agora nega e combate, ou seja, um controlador arrogante e impetuoso que não conhece limites (um traço de personalidade que se manifestava em Flynn em 1982, e no seu filho em 2010).

CLU é o anjo caído, através da soberba e da inveja dos ISOs (a quem o Criador dava grande atenção). Ele toma para si o poder sobre o mundo, mas falta a ele o poder de CRIAR. Sem isso sua autoridade é somente pelo medo, pela força ou pelo engano. Então ele aprisiona a população de programas rebelde e os transforma (reprograma), formando assim um exército de seguidores (muito parecido com as centenas de computadores-zumbi controlados pelos Hackers de hoje) que ele manipula, em particular numa cena que evoca o comício de Nuremberg, onde Hitler discursava para as massas, iludindo-as com promessas de liberdade da tirania dos outros (são sempre "os outros"), discurso este muito popular aqui pela América do Sul. Se antes o MCP era o ditador e houve uma luta pela liberdade dentro do Grid, agora é CLU quem dita as normas e se considera injustiçado por estar "aprisionado" dentro do Grid, querendo alcançar agora o exterior, ou seja, o mundo do Criador. É uma metáfora para o Homem querendo ser Deus sem ter o poder nem a maturidade para Criar (algo bastante pertinente de se observar dentro do mundo esotérico, onde os egos inflam até o tamanho de deuses).

Um dos personagens mais marcantes é Castor, que segundo ele mesmo é "provedor de qualquer e todo entretenimento e distrações". Uma mistura diabólica de Monty Python, Carlitos e David Bowie. É dele uma das melhores cenas, onde se diverte ao som de uma música IRADA do Daft Punk, enquanto o "Filho do Criador" (que se sacrifica pelo Pai) apanha dos soldados (qualquer semelhança com o filme de Jesus do Mel Gibson é mera coincidência... NOT!). Ele é a faceta do mal que nos distrai de nossos objetivos. É o entretenimento tolo que nos escraviza na roda de prazeres e nos deixa até agradecidos de estarmos no Sansara (ah, esse bife suculento...). A queda aqui é fácil, como Sam descobriu, e teve de ser resgatado (novamente) pela Anima, a ISO Quorra.

A metáfora do medo do CLU sair para o mundo real é o mesmo medo do Agente Smith sair da Matrix, ou do "demônio" dominar o mundo: representa o nosso medo da Sombra (tudo aquilo que reprimimos) assumir o consciente. É algo a se temer, mesmo, pois a quantidade de malucos que atira nos outros e depois em si mesmo - numa auto-aniquilação funesta de seus medos e desejos - é crescente em nossa sociedade. Mas o medo (autopreservação) só deve ser usado para buscar força e conhecimento, nunca para dar força e poderes ao próprio Medo/Sombra. Por isso no filme o Criador Flynn, que estava com medo do confronto que só fazia fortalecer o opositor, aproveita a impetuosidade do filho - que trouxe o CAOS, a instabilidade, o desequilíbrio da equação - para criar OPORTUNIDADE de vitória. E ela veio, com a reintegração da Sombra. Ele a abraça, ele pede perdão, e ele SE perdoa. Se aceita, e aceita seu destino, que é deixar o Novo com o novo (Quorra com Sam), um novo mundo a ser criado por novas pessoas. Full circle.

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