quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O QUE É BIOSOFIA

PSICOLOGIA TRANSPESSOAL

A Psicologia como ramo científico do saber nasceu “oficialmente” nos finais do século passado. Nesse tempo, a luta de muitos dentre os primeiros psicólogos para darem à nova disciplina um estatuto de Ciência levou-os a procurarem “assemelhá-la”, nos métodos e na maneira de pensar a realidade, às ciências naturais então prevalecentes como modelo a seguir. Dentre estas destacavam-se a Física e a Química com todos os seus critérios “positivistas”.

O homem passou a ser visto, pelos psicólogos, sobretudo como um organismo biológico que utilizava a sua inteligência para se adaptar a um meio ambiente constituído pelas sociedades humanas. A história individual de cada um de nós passou a ser vista como a história da nossa evolução e luta individual ao ajustarmo-nos à família, à escola ou, em geral, ao meio onde crescemos, desenvolvemos a nossa vida afectiva, intelectual e física.

Nasceram, neste contexto, algumas linhas principais de estudo e de trabalho prático com o ser humano que ainda hoje podem ser reconhecidas: (1) na Psicanálise, com a valorização por ela concedida aos mecanismos inconscientes e à vida afectiva precoce como fonte explicativa da problemática psicológica dos seres humanos; (2) no Comportamentalismo, com a valorização concedida ao estudo do comportamento humano em si mesmo e ao modo como ele é condicionado por acontecimentos ambientais que o antecedem ou que o condicionam ao apresentar-se como suas consequências; (3) no Cognitivismo, com a valorização dada ao papel dos processos de conhecimento (vulgarmente designados, de modo menos exacto, por processos mentais) e à influência destes na vida emocional e no comportamento humanos.
Desenvolveram-se numerosos estudos e abordagens sem que, no entanto, elas chegassem a destacar-se como linhas de força verdadeiramente diferentes das três anteriormente referidas. Entretanto, no início dos anos 60, alguns teóricos de renome, com especial destaque para nomes como Carl Rogers, Maslow, Assagioli, Aldous Huxley, Kurt Goldstein e muitos outros, consideraram que a Psicologia estava a desvalorizar o ser humano nas suas possibilidades e a estudá-lo de modo excessivamente analítico sem valorizar devidamente áreas que, embora difíceis de estudar cientificamente, tinham importância crucial para a consideração do humano. Nasceu assim o Movimento Humanista na Psicologia enfatizando o potencial humano, a autenticidade, a liberdade humana, a importância da consciência existencial, da auto-realização, da criatividade, da auto-transcendência. O Movimento Humanista veio a ser designado, pelos seus mentores, como a “4a Força” na Psicologia.

Complementaridade de conhecimentos
A Psicologia Transpessoal apresenta-se, hoje, como um dos campos da Psicologia que estão em pleno desenvolvimento apontando para uma concepção do ser humano que, por não o reduzir a um organismo biológico condicionado e determinado pela sua própria biologia e meio ambiente, o recoloca na posição de ser livre e dono de possibilidades insuspeitas. No entanto ela não contradiz, antes pretende complementar as aquisições da Psicologia em geral - que são preciosas. O que esta corrente recente pretende, isso sim, é ampliar a nossa noção de ser humano para nela incluirmos faixas de experiência e vivência que podem contribuir poderosamente para dar mais sentido à nossa existência - que está hoje tão “ameaçada” pelo absurdo ligado ao consumismo desenfreado e à visão mecanista. E - sabe-se isso muito bem como dado de investigação rigorosa - os homens que sentem que as suas vidas têm sentido costumam possuir melhor saúde mental e viver uma existência mais alegre… Talvez seja também por isso que uma recente declaração da UNESCO (Declaração de Veneza, 7 de Março de 1986) tenha afirmado que: “O conhecimento científico, em razão do seu próprio movimento interno, atingiu os limites nos quais pode iniciar um diálogo com outras formas de conhecimento. Nesse sentido, e sempre reconhecendo as diferenças fundamentais entre a ciência e a tradição, consta-tamos não mais a sua oposição, porém a sua complementaridade”.
Afinal a Psicologia Transpessoal tem promovido este diálogo e tem extraído dele frutos importantes na direcção da visão do homem como ser biológico, social, cultural mas também emocional, intelectual e espiritual. Talvez essa visão seja mais optimista e mais susceptível de contribuir para uma melhoria das condições de vida humana, mas também mais alicerçada num conhecimento pleno e mais exacto do homem, do que a noção de que somos todos animais inteligentes em competição uns com os outros pela sobrevivência social. Se assim for, o optimismo poderá juntar-se ao rigor científico para nos auxiliar a construir outro estado de coisas no mundo. Afinal como mudar a sociedade sem mudar o homem e como mudar o homem sem lhe dar os instrumentos de se modificar a si mesmo?

Vítor José F. Rodrigues
Licenciado em Psicologia; Assistente na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, da Universidade Clássica de Lisboa; Autor de “Teoria Geral sobre a estupidez humana” .

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