Nunca, em toda a história, tivemos tantas concentrações urbanas com a inacreditável densidade populacional como as que temos atualmente; esses exorbitantes adensamentos humanos vêm perdendo, pouco a pouco, os contornos de uma comunidade e transformando-se em meros agrupamentos. Assim, em inúmeras regiões - não importando o tamanho da cidade, e sim, a ruptura social - estamos muito próximos do limite da suportabilidade, dentro de uma forçada convivência, com contínuos confrontos de complexas e difusas necessidades, carências e ganâncias.
Há uma imensa diferença entre agrupamento e comunidade; esta pressupõe partilha de interesses e cuidado protetor mútuo, enquanto aquele se resume a uma simples agregação de pessoas com raros objetivos coletivos comuns, pontuado por sinais de uma filantropia que, no mais das vezes, por ser calculista e interesseira, beira o cinismo utilitarista. No entanto, mesmo em meio à multidão (e o sabemos por experiência própria ou relatada) é possível sentir-se sozinho; conhecemos, por nós ou pelos outros, a condição de viver em cidades com milhares e milhares de outras pessoas e, ainda assim, experimentar e desejar a solidão.
De uma certa maneira, essa realidade angustiante (estar só, entre muitos; participar com outros da aglomeração de adversários) nega uma das mais fortes convicções do filósofo francês Gabriel Marcel que, em meados do século 20, acreditava que “a solidão é essencial à fraternidade”. Parece que nos nossos tempos ela, a solidão, voluntária ou involuntária, serve mais como refúgio ou abandono do que, de fato, como momento reflexivo. Olhando as nossas inclementes metrópoles, é provável, até, que outro francês, o escritor Drieu La Rochelle (que solitariamente suicidou-se em 1945, após a derrota dos nazistas, com quem tardiamente colaborara), estivesse certo ao dizer que “a cidade não é a solidão, porque a cidade aniquila tudo quanto povoa a solidão. A cidade é o vazio”.
Esse melancólico pensamento encarna-se em parte da inquietante e ainda atual obra do inglês Aldous Huxley (com quem um La Rochelle pré-fascista tivera ligação no começo do Surrealismo); no Admirável Mundo Novo, um mundo pleno de vazios, Huxley afirma que “se somos diferentes, é fatal que estejamos sós”. Quem se importa?, bradariam muitos. Afinal, como lembrou seu quase contemporâneo, o irlandês Oscar Wilde, “as tragédias alheias são sempre de uma banalidade desesperante”.
O fabulista Jean de la Fontaine afirmava que “bem melhor sozinho do que com tolos”; já o pensador Paul Valéry dizia que “um homem sozinho está sempre em má companhia”. Quem está com a razão? O ‘‘antes só do que mal acompanhado’’ parece triunfar sobre “o nenhum homem é uma ilha”; a base para a derrota da sociabilidade autoprotetora está em partir da constatação de que, conformando-nos em viver em agrupamentos e não em comunidades, continuamente se está mal-acompanhado. Então, vamos ao cada um por si (e qual Deus por todos?) e, claro, retornando ao parentesco original, cada macaco no seu galho.
É por isso que os termos “solidão” e “solidariedade” são assemelhados apenas na aparência, jamais no conteúdo; solidariedade vem de ‘‘solidez’’, daquilo que consolida e dá firmeza à vida coletiva, enquanto que solidão está atada à idéia de ser e ou estar “por si mesmo”, em puro isolamento. A quebra do ideal da fraternidade nos incomoda e entristece, mas não tem conduzido muitos ao enfrentamento decidido e solidário.
Gustave Flaubert nos acautelou: “Cuidado com a tristeza. Ela é um vício”. Seria também assim a solidão isolante e narcísica?
Estamos nos tornando um bando de zumbis nesse imenso formigueiro de cigarras.
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