segunda-feira, 21 de novembro de 2011

UM ESTRANHO EM NOSSA CASA

O ESTRANHO
(Keith Currie)



“Poucos meses antes de eu nascer, meu pai conheceu um estranho recém-chegado a nossa pequena cidade de Tennessee. De cara, papai ficou fascinado com o encantador novato, e logo o convidou para morar em nossa casa. O estranho foi imediatamente bem recebido e estava por perto quando vim ao mundo.

Na infância, nunca tive dúvidas sobre sua posição em nosso lar. Em minha cabeça de criança, cada pessoa da família tinha seu nicho especial. Meu irmão, Bill, cinco anos mais velho, era meu modelo. Fran, minha irmã mais nova, deu-me a chance de ser o “irmão mais velho” e oportunidade para desenvolver a arte de importunar. Meus pais eram instrutores complementares: mamãe ensinou a amar a Bíblia e papai ensinou-me a obedecê-la.

Mas o estranho era nosso contador de histórias. Ele era capaz de tecer as fábulas mais fascinantes. Aventuras, mistérios e comédias faziam parte da conversa diária. Todas as noites, ele conseguia manter nossa família inteira deslumbrada por várias horas.
Se eu quisesse saber qualquer coisa sobre política, história ou ciência, ele tinha todas as respostas. Ele conhecia o passado e entendia o presente e, igualmente, previa o futuro. Os quadros que ele pintava eram tão realistas que, muitas vezes, eu ria ou chorava ao vê-los.

Ele era um amigo para a família toda. A primeira vez que papai, Bill e eu fomos a um jogo de baseball, foi ele quem nos levou. O estranho nos encorajava a assistir aos filmes e, até mesmo, conseguiu nos apresentar alguns astros de cinema. Eu e meu irmão ficamos profundamente impressionados, especialmente com John Wayne.

O estranho falava sem parar. Papai parecia não se incomodar, mas algumas vezes mamãe se levantava quietamente - enquanto estávamos fascinados com uma de suas histórias sobre lugares distantes - e ia para seu quarto, ler a Bíblia e orar. Hoje fico pensando se ela chegou a orar para que o estranho fosse embora de casa.

Vejam bem, meu pai nos educava sob certas convicções morais, mas o estranho nunca se sentiu na obrigação de segui-las. Por exemplo, em nossa casa os palavrões eram proibidos; nem nós, nem nossos amigos, e nem mesmo os adultos podiam dizê-los. No entanto, nosso hóspede de longa data às vezes dizia palavras tão feias que meus ouvidos doíam, e papai se torcia todo. Até onde eu sabia, ninguém nunca chamou a atenção do estranho por causa dos palavrões que dizia. Meu pai era um abstinente total que não permitia bebida alcoólica em casa - nem mesmo para uso culinário. Mas o estranho achou que precisávamos saber das coisas e apresentou-nos modos de vida diferentes. Várias vezes nos oferecia cerveja e outros tipos de bebidas.

Ele fazia o cigarro parecer gostoso, o charuto, masculino, e o cachimbo, muito distinto. O estranho falava abertamente (talvez abertamente demais) sobre sexo. Às vezes seus comentários eram grosseiros, algumas vezes insinuantes e, geralmente, deixava-nos envergonhados. Hoje entendo que meus primeiros conceitos sobre relacionamento homem-mulher foram influenciados pelo estranho.

Ao olhar para trás, acredito que foi a graça de Deus que impediu o estranho de nos influenciar ainda mais. Quantas e quantas vezes ele se opôs aos valores morais de meus pais. Mesmo assim, pouquíssimas vezes foi repreendido e nunca foi expulso de casa.

Mais de 30 anos se passaram desde que o estranho foi morar com a jovem família da rua Morningside. Meu pai já não o acha tão espetacular quanto antes. Porém se eu entrar hoje na sala de estar da casa de meus pais, ainda verei o estranho lá num canto, esperando que alguém o ouça e veja-o desenhar quadros.
O nome dele? Nós sempre o chamamos de "TV”.

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